quinta-feira, junho 17, 2010


Não é raro ouvirmos as pessoas (principalmente aquelas mais próximas das chamadas ciências naturais) se referindo a alquimia como um método experimental do estudo da matéria já ultrapassado. Não podemos negar que o esforço dos alquimistas medievais em encontrar o fim último da matéria almejando um processo de transmutação do metais foi de vital importância para o estabelecimento da química como conhecimento das propriedades íntimas da matéria. Porém, outro grupo de estudiosos das ciências ocultas, esoterismo e simbologistas conseguiram ver nos símbolos alquímicos mais do que somente metáforas para se referir aos processos de transformação dos estados da matéria, eles conseguiram captar a realidade da alma. Uns vêem no processo alquímico o processo de evolução do espírito em planos superiores de existência, outros – e é onde se encontra o estudo de Jung diante da alquimia – viram nessa ciência a manifestação mais pura e real da realidade da psique.

A maior parte do estudo de Jung foi enriquecida pelos símbolos alquímicos que para ele representavam o processo de transformação da libido do alquimista diante do caos da matéria. “A real natureza da matéria era desconhecida pelo alquimista, ele tinha meros indícios a respeito. Ao tentar explorá-la projetou seu inconsciente sobre as trevas da matéria afim de iluminá-la (...) mas sua experiência na realidade era do próprio inconsciente” (Jung, 1991). Jung ainda relata em sua obra Psicologia e Alquimia que os alquimistas – diferentemente do modernos cientistas – realizavam suas experimentações em um laboratório e próximo de um altar onde realizavam suas orações e atingiam um estado de transe. Neste estado de rebaixamento da consciência eles tinham certas visões de imagens do inconsciente e a partir disso se orientavam no estágio em que a obra se encontrava e para onde caminhava simbolicamente. Alguns podem dizer: “Nossa que falta de objetividade?” mas muito pelo contrário, a partir desses símbolos padrões foram encontrados, nos mitos e nas lendas, onde Jung reconheceu o inconsciente coletivo como sendo de natureza objetiva, já que ele é.

Muitos ao lerem textos de autores alquímicos entendem que por detrás dos símbolos existe uma forma escondida, um tesouro, um significado oculto mas acabam por se enveredar tais argonautas em busca de um velo de ouro. Na verdade o método alquímico se assemelha ao método Junguiano de análise dos conteúdos do inconsciente, o da amplificação simbólica. Está bem, mas o que viria ser tal amplificação simbólica? O que Jung fazia quando começou a desenvolver sua teoria do psiquismo em seu livro Metamorfoses e Símbolos da Libido pode ser considerado uma amplificação que consiste no uso de “...paralelismos míticos, históricos e culturais a fim de esclarecer e ampliar o conteúdo” (Samuels, Shorter & Plault, 1986). Isso significa que os símbolos de onde bebemos existem em todas as culturas mas com roupagens diferentes, um exemplo disso é o sincretismo afro-brasileiro onde Yemanjá a figura da mãe e protetora dos marinheiros, também é reconhecida na figura de Nossa Senhora dos Navegantes para os católicos. Em todos os lugares existem figuras paralelas do tema da mãe, do pai, do herói etc. A partir disso Jung cunhou sua teoria dos arquétipos e do inconsciente coletivo, onde tais temas e figuras são arcaicos existindo em todos os tempos e lugares e eclodindo novamente na estrutura psíquica de todo indivíduo. É basicamente isso que os alquimistas faziam em suas obras, associar o máximo possível um tema de seus devaneios aos símbolos que guardam uma analogia, por isso o estudo alquímico e psicológico são analógicos em sua essência.

O símbolo do pelicano por exemplo, que é representado como um pelicano rasgando a própria carne para dar o alimento aos seus filhos guarda uma analogia com o símbolo de Cristo a partir da associação que tem com o tema do sacrifício, onde passa a ser psicologicamente o símbolo da emergência de uma nova consciência a partir das clivagens e dos processos de escolha/purificação/definição do ego. Outro símbolo análogo a este e que os alquimistas utilizavam para dizer do mesmo processo era a fênix que gera a si mesma renascendo através de suas cinzas num processo de autogênese representando a capacidade da alma em gerar/transmutar a si mesma sendo alquimicamente descrito como a conclusão da obra ou Rubedo (cor rubra, enrubecimento da substancia). Outro símbolo da conclusão da obra é a união do rei e da rainha, ou mesmo a renovação do rei. Jung percebeu que até mesmo nos contos de fada o rei aparece e ao final ocorre alguma transformação na relação deste como protagonista.

Portanto fica nítido, não há como conceber uma origem da matéria, onde até mesmo a física quântica da delineia novos padrões no caos da matéria e na mesma direção da psicologia chegam a um consenso de que a própria matéria (ou o que chamamos como tal) é redefinida pela nossa intencionalidade. Nesse sentido a alquimia é resgatada, não para buscarmos a origem das coisas, ou o fim último, mas sim para começarmos a viver a realidade da alma na natureza dos símbolos que mostram mais do que dizem. Isto mostra que estamos em outros tempos que não mais possui a necessidade de uma causa, uma origem, mas sim de cadeias de significados, da busca de sentido através da energia do lado feminino, circular, lunar da vida. A alquimia pode ser concebida como os símbolos da transmutação da alma em sentido mais puro, foi a partir disso que Jung uniu história dos símbolos, teologia, psicologia, física, mitologia e lingüística. A metáfora alquímica da transmutação se refere ao poder que a própria psique tem de se transmutar e renovar a si mesma. Para isso o homem deve acessar sua consciência feminina, só assim poderá gerar uma nova personalidade.


“O que torna a alquimia tão valiosa para a psicoterapia é o fato de suas imagens concretizarem as experiências de transformação porque passamos na psicoterapia” (Jung,1991).

3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Em um dos meus blogs também postei sobre isso. Afinal, esta postagem me ajudou até, os agradeço.

    Caso queiram ver:
    http://operamagnablog.blogspot.com/2011/07/jung-e-alquimia.html

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  3. Tenho um espaço em Aiuruoca que se chama alquimia, justamente por gostar muito desses assuntos, as vezes noa reunimos para filosofar junto a natureza e estimular a alquimia interior. muito bacana o blog de vocês. adorei uma horas dessas apareçam por aqui www.pousadaalquimia.com Abraço Glória.

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