Texto dedicado a Débora Mori, (44), que recentemente foi vítima fatal da estupidez, da intolerância e dos três assassinos.
Aconteceu hoje em
Poços de Caldas, a II Mostra Psi em Cena no Instituto Moreira Salles, com a
discussão sobre o filme “Meninos não choram” (Boys don’t cry, 1999 – Kimberly Peirce)
com alunos da psicologia e áreas afins e a debatedora, profa. Dra. Éllika
Trindade, do curso de psicologia da PUC MINAS.
O filme narra a
história real de Brandon Teena (1972 – 1993), uma transsexual masculina que,
após descoberto pelos amigos recém conhecidos em Falls City seu gênero
biológico de mulher, sofre uma série de experiências de violência física e
sexual, culminando em seu assassinato por Jhon e Tom, seus abusadores desde o
começo da trama. Com cenas impactantes e interpretação impecável de Hilary
Swank no papel de Brandon, o filme retrata com perspicácia um drama real da
ilegitimidade e da violência contra transsexuais, trangêneros e homossexuais,
todos representados pelos augúrios de Brandon Teena.
Com uma reflexão
sobre a obra, é possível impor o seguinte questionamento: afinal, que matou
Brandon Teena? Há aspectos inerentes ao desenrolar da trama que nos revelam
desde o início uma sucessão de fatos que levam ao desfecho trágico da
personagem, como em uma análise, em que os fatos do inconsciente se desenrolam de
modo novelesco, ou seja, o que se passou para esse desfecho[1],
ver a história de Brandon Teena de trás pra frente nos faz refletir sobre
níveis elementares, microfísicos e moleculares que operam para sua morte, que
deles, destacarei três: a delinqüência a que Brandon está entregue, que se
engendra com o segundo motivo – local de aceitação e territorialização
identitária, e por último, os níveis elementares de violência que autorizam a
sua morte.
Brandon vive uma
vida desregrada e possivelmente delinqüente: responde um processo sobre o roubo
de um veículo e se envolve com os amigos de Falls City devido a uma briga de
bar. O que estamos assistindo é um retrato de um momento histórico de como é
ser transsexual homossexual no interior dos Estados Unidos de 1993 – a clássica
guetificação dos sujeitos homossexuais, ainda muito associados a perversões,
mesmo nos tempos de hoje. Há uma identificação histórica que parece impulsionar
esse tipo de identificação, localizada muito mais em um masoquismo social que
em uma delinqüência que busque uma plenitude do gozo, que dizer, em Brandon,
comportar-se de modo delinqüente parece operar para sustentar a culpa que sente
o tempo todo por ser “um cara errado”, um menino que ainda não foi capaz de
entrar na dimensão do gênero previamente formatada pelo meio social.
Tom (Brendan Sexton), Brandon (Hilary Swank) e Jhon (Peter Sarsgaard) |
Aparece aí seu
segundo assassino: a territorialização identitária em que a personagem se entrega,
um território doentio, bucólico, drogadicto, abraçando as pessoas que seriam
seus futuros algozes. Ora, não há lugar que caiba Brandon Teena, talvez por que
quiçá um dia, coube Teena Brandon, ou seja, se na dança formal dos gêneros, do
binômio homem-mulher e da heteronormatividade ele não podia se enquadrar,
talvez entre os “pervertidos sociais”, violentos e de comportamento inconstante
houvesse um território que coubesse o menino Brandon, que vive na estrada, como
que perambulando em busca da identidade que não é capaz de encontrar. Mesmo
nesse território, ele está em uma linha dura, sem possibilidade de
criatividade, de invenção de si mesmo, mitigado pela bebida, que dilui o tempo
todo seus sentidos, mutilando desde já o seu corpo não criado.
Brandon é um
embrião, mergulhado em um meio que não é capaz de pari-lo, gerá-lo, fazê-lo
crescer, buscando falsamente as condições necessárias para se fazer. Seu corpo
de órgãos, capitalizado, atravessado pelos papéis sociais em que se implica o
tempo todo falha, grita, se desmancha na impossibilidade de invenção dele
mesmo, culminando na descoberta fatídica de Brandon Teena em Teena Brandon. A
troca homônima que leva a sua tragédia pessoal.
Jhon e Tom
representam apenas a terça parte dos assassinos de Brandon, que são os níveis
elementares de violência e possivelmente, os algozes mais difíceis de
enfrentar, uma vez que estão naturalizados e entendidos como comuns e normais
em uma sociedade heteronormativa e de gênero binomial. Eles são verdadeiras
projeções diretas da nossa violência ingênua, cotidiana, porém em sua atitude
mais extrema; são eles a materialização dos comportamentos violentos e
homofóbicos que operam no nível simbólico do social e por estar aí, parecem ser
absolutamente inofensivos.
Freak! Grita o
primeiro. Aberração. Coisa torta. Isso. Recorte. Coisa. Síntese. Brandon não
existia mais, nem Teena. A última por ter sido negada, o primeiro por não ter
sido criado e por não haver possibilidade alguma de sobreviver no caldo
cultural de Falls City, das crenças dos que o rodeavam e das do próprio
Brandon, que o tempo todo se desculpa por ser ele mesmo. O que estava ali
latente no nível molecular, elementar, salta portanto, nas sucessivas
violências que o corpo-Brandon-Teena vai sofrendo até a sua absoluta
destruição. Da palavra simples, ao primeiro tapa, ao estupro, ao tiro –
representação da “penetração” incisiva do dispositivo da sexualidade e
heteronormativo dentro dos corpos, injetando-o, introjetando-o – ejaculação da
norma.
Do moral ao
trágico, só sobra uma coisa que deve ser lembrada, o amor de Brandon e Lana, a
única capaz de enxergá-lo como sujeito real e tamanha identificação que Lana
diz em uma das cenas final, prestes ao assassinato de Brandon “por que você não
foi embora, já devia ter partido”, e ele apenas sorri, pois não consegue dizer
da única coisa que o mantém vivo, até aquele momento, deixando-se morrer,
deixando-se levar, pois ser aceito já lhe era demais para uma vida só. Ah! O
amor, que luta existe para além dele? Esse território, ora secreto, ora
impenetrável, ora invadido por aqueles em que ele estava negado, mobiliza
corpos, sensações, vidas inteiras de lutas pela autenticidade e legitimidade do
“seu amor”.
Lana e Brandon |
Brandon poderia
estar vivo, com o amor inteiro em seu corpo, de mãos dadas com Lana, seu
território amoroso mal habitado, mas não está, pois além de sua incapacidade de
se criar (condição mínima para o amor), esbarrou muito cedo nos muros da
intolerância e da estupidez humana, sem dúvida, seus maiores assassinos. Ainda
mais: se não se pode matar o que ainda não está vivo, destruíram o corpo-Teena
e na sobra esvaiu-se na teia social o ser-Brandon – amor fati.
[1] O
inconsciente maquínico desdobra-se como novela, ver “Três novelas ou o que se
passou?” In: Deleuze e Guattari, Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia, vol.
3.
texto maravilhoso!!!
ResponderExcluirBrandon Teena foi um HOMEM. ELE não é ELA, não é UMA, nem é A. Respeite as pessoas trans*: trate elas com seus pronomes CORRETOS.
ResponderExcluir"Uma transexual masculina", o texto perdeu o sentido e a moral a partir desse ponto. KD pronomes corretos?
ResponderExcluirPq perdeu o sentido? Esta muito correto e bem explicado, quando que falamos em transexual, para muitos veem a cabeça sempre um homem travestido de mulher, o fato conta a história de uma mulher querendo ser homem !!!! Não sabe nada inocente !!!
ExcluirO correto é "homem trans". Brandon era um homem, então tudo que se refere a ele (artigos, pronomes, whatever) deve ser no masculino.
ExcluirMeu querido ele não era uma mulher querendo ser homem, ele era um homem trans que nasceu com o sexo biológico feminino, vão estudar suas antas antes de falarem asneiras !
Excluiraff
ResponderExcluirInteressantes constatações! Nos faz parar para refletir. Uma tragédia anunciada diante dos desequilíbrios sociais? Creio q sim.
ResponderExcluirChorei lendo esse texto. Maravilhoso.
ResponderExcluirBrandon Teena não era homossexual! Ele era um homem transgênero heterossexual!
ResponderExcluirNunca vi tanta pessoa burra em um lugar só, o texto está totalmente errado, ele era um transexual heterosexual, ele é ele e não ela, se não entendem nada sobre transexual calem a boca" ou no mínimo estudem antes de falarem bosta!
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