sexta-feira, abril 26, 2013

Texto dedicado a Débora Mori, (44), que recentemente foi vítima fatal da estupidez, da intolerância e dos três assassinos.                





Aconteceu hoje em Poços de Caldas, a II Mostra Psi em Cena no Instituto Moreira Salles, com a discussão sobre o filme “Meninos não choram” (Boys don’t cry, 1999 – Kimberly Peirce) com alunos da psicologia e áreas afins e a debatedora, profa. Dra. Éllika Trindade, do curso de psicologia da PUC MINAS.
                O filme narra a história real de Brandon Teena (1972 – 1993), uma transsexual masculina que, após descoberto pelos amigos recém conhecidos em Falls City seu gênero biológico de mulher, sofre uma série de experiências de violência física e sexual, culminando em seu assassinato por Jhon e Tom, seus abusadores desde o começo da trama. Com cenas impactantes e interpretação impecável de Hilary Swank no papel de Brandon, o filme retrata com perspicácia um drama real da ilegitimidade e da violência contra transsexuais, trangêneros e homossexuais, todos representados pelos augúrios de Brandon Teena.
                Com uma reflexão sobre a obra, é possível impor o seguinte questionamento: afinal, que matou Brandon Teena? Há aspectos inerentes ao desenrolar da trama que nos revelam desde o início uma sucessão de fatos que levam ao desfecho trágico da personagem, como em uma análise, em que os fatos do inconsciente se desenrolam de modo novelesco, ou seja, o que se passou para esse desfecho[1], ver a história de Brandon Teena de trás pra frente nos faz refletir sobre níveis elementares, microfísicos e moleculares que operam para sua morte, que deles, destacarei três: a delinqüência a que Brandon está entregue, que se engendra com o segundo motivo – local de aceitação e territorialização identitária, e por último, os níveis elementares de violência que autorizam a sua morte.
                Brandon vive uma vida desregrada e possivelmente delinqüente: responde um processo sobre o roubo de um veículo e se envolve com os amigos de Falls City devido a uma briga de bar. O que estamos assistindo é um retrato de um momento histórico de como é ser transsexual homossexual no interior dos Estados Unidos de 1993 – a clássica guetificação dos sujeitos homossexuais, ainda muito associados a perversões, mesmo nos tempos de hoje. Há uma identificação histórica que parece impulsionar esse tipo de identificação, localizada muito mais em um masoquismo social que em uma delinqüência que busque uma plenitude do gozo, que dizer, em Brandon, comportar-se de modo delinqüente parece operar para sustentar a culpa que sente o tempo todo por ser “um cara errado”, um menino que ainda não foi capaz de entrar na dimensão do gênero previamente formatada pelo meio social.
Tom (Brendan Sexton), Brandon (Hilary Swank) e
Jhon (Peter Sarsgaard)
                Aparece aí seu segundo assassino: a territorialização identitária em que a personagem se entrega, um território doentio, bucólico, drogadicto, abraçando as pessoas que seriam seus futuros algozes. Ora, não há lugar que caiba Brandon Teena, talvez por que quiçá um dia, coube Teena Brandon, ou seja, se na dança formal dos gêneros, do binômio homem-mulher e da heteronormatividade ele não podia se enquadrar, talvez entre os “pervertidos sociais”, violentos e de comportamento inconstante houvesse um território que coubesse o menino Brandon, que vive na estrada, como que perambulando em busca da identidade que não é capaz de encontrar. Mesmo nesse território, ele está em uma linha dura, sem possibilidade de criatividade, de invenção de si mesmo, mitigado pela bebida, que dilui o tempo todo seus sentidos, mutilando desde já o seu corpo não criado.
                Brandon é um embrião, mergulhado em um meio que não é capaz de pari-lo, gerá-lo, fazê-lo crescer, buscando falsamente as condições necessárias para se fazer. Seu corpo de órgãos, capitalizado, atravessado pelos papéis sociais em que se implica o tempo todo falha, grita, se desmancha na impossibilidade de invenção dele mesmo, culminando na descoberta fatídica de Brandon Teena em Teena Brandon. A troca homônima que leva a sua tragédia pessoal.
                Jhon e Tom representam apenas a terça parte dos assassinos de Brandon, que são os níveis elementares de violência e possivelmente, os algozes mais difíceis de enfrentar, uma vez que estão naturalizados e entendidos como comuns e normais em uma sociedade heteronormativa e de gênero binomial. Eles são verdadeiras projeções diretas da nossa violência ingênua, cotidiana, porém em sua atitude mais extrema; são eles a materialização dos comportamentos violentos e homofóbicos que operam no nível simbólico do social e por estar aí, parecem ser absolutamente inofensivos.
                Freak! Grita o primeiro. Aberração. Coisa torta. Isso. Recorte. Coisa. Síntese. Brandon não existia mais, nem Teena. A última por ter sido negada, o primeiro por não ter sido criado e por não haver possibilidade alguma de sobreviver no caldo cultural de Falls City, das crenças dos que o rodeavam e das do próprio Brandon, que o tempo todo se desculpa por ser ele mesmo. O que estava ali latente no nível molecular, elementar, salta portanto, nas sucessivas violências que o corpo-Brandon-Teena vai sofrendo até a sua absoluta destruição. Da palavra simples, ao primeiro tapa, ao estupro, ao tiro – representação da “penetração” incisiva do dispositivo da sexualidade e heteronormativo dentro dos corpos, injetando-o, introjetando-o – ejaculação da norma.
                Do moral ao trágico, só sobra uma coisa que deve ser lembrada, o amor de Brandon e Lana, a única capaz de enxergá-lo como sujeito real e tamanha identificação que Lana diz em uma das cenas final, prestes ao assassinato de Brandon “por que você não foi embora, já devia ter partido”, e ele apenas sorri, pois não consegue dizer da única coisa que o mantém vivo, até aquele momento, deixando-se morrer, deixando-se levar, pois ser aceito já lhe era demais para uma vida só. Ah! O amor, que luta existe para além dele? Esse território, ora secreto, ora impenetrável, ora invadido por aqueles em que ele estava negado, mobiliza corpos, sensações, vidas inteiras de lutas pela autenticidade e legitimidade do “seu amor”.
Lana e Brandon
                Brandon poderia estar vivo, com o amor inteiro em seu corpo, de mãos dadas com Lana, seu território amoroso mal habitado, mas não está, pois além de sua incapacidade de se criar (condição mínima para o amor), esbarrou muito cedo nos muros da intolerância e da estupidez humana, sem dúvida, seus maiores assassinos. Ainda mais: se não se pode matar o que ainda não está vivo, destruíram o corpo-Teena e na sobra esvaiu-se na teia social o ser-Brandon – amor fati.


[1] O inconsciente maquínico desdobra-se como novela, ver “Três novelas ou o que se passou?” In: Deleuze e Guattari, Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia, vol. 3.

11 comentários:

  1. Brandon Teena foi um HOMEM. ELE não é ELA, não é UMA, nem é A. Respeite as pessoas trans*: trate elas com seus pronomes CORRETOS.

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  2. "Uma transexual masculina", o texto perdeu o sentido e a moral a partir desse ponto. KD pronomes corretos?

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    1. Pq perdeu o sentido? Esta muito correto e bem explicado, quando que falamos em transexual, para muitos veem a cabeça sempre um homem travestido de mulher, o fato conta a história de uma mulher querendo ser homem !!!! Não sabe nada inocente !!!

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    2. O correto é "homem trans". Brandon era um homem, então tudo que se refere a ele (artigos, pronomes, whatever) deve ser no masculino.

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    3. Meu querido ele não era uma mulher querendo ser homem, ele era um homem trans que nasceu com o sexo biológico feminino, vão estudar suas antas antes de falarem asneiras !

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  3. Interessantes constatações! Nos faz parar para refletir. Uma tragédia anunciada diante dos desequilíbrios sociais? Creio q sim.

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  4. Chorei lendo esse texto. Maravilhoso.

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  5. Brandon Teena não era homossexual! Ele era um homem transgênero heterossexual!

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  6. Nunca vi tanta pessoa burra em um lugar só, o texto está totalmente errado, ele era um transexual heterosexual, ele é ele e não ela, se não entendem nada sobre transexual calem a boca" ou no mínimo estudem antes de falarem bosta!

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