quarta-feira, novembro 06, 2013

Uma pergunta que escuto com freqüência é, afinal, qual a utilidade de alguém ir a um psicólogo ou a um analista, tomando por base a modalidade clássica de escuta em que o sujeito deita-se no divã e tem geralmente as suas costas, alguém que o escuta religiosamente, com poucas ou nenhumas intervenções. Apesar da revolução no modelo profundamente clássico de escuta provocada por Lacan, utilizando da lingüística e da reinvenção do tempo da sessão no volume da escuta do desejo, permanece uma inquietação que faz questionar do que se trata esse “ouvir o desejo do outro”.
Em uma entrevista rara de Freud publicada em 1989 em português, ele diz que “O psicanalista é como o bode expiatório dos hebreus. Os outros descarregam seus pecados sobre ele. Ele deve praticar sua arte à perfeição para desvencilhar-se do fardo jogado sobre ele.” Ora, não cabe portanto ao analista ocupar um lugar que seja de dar opiniões ou dar diretrizes, ou ainda as tão esperadas respostas, mas escutar pacientemente e servir de objeto da fantasia de outrem, da inevitável projeção do desejo inconsciente de ser ouvido por aqueles em que o paciente vez ou outra coloca o analista no lugar, nutrindo sentimentos hora de vida hora de morte sobre ele. Mas isso é apenas parte da angustiante relação que se firma entre o paciente e o analista, fundamentalmente no início de uma análise – o fato de que, esse alguém, o ouve, dizendo muito pouco ou quase nada.
É comum em uma conversa que as pessoas dêem sempre uma réplica do que se está dizendo. O que permite que um diálogo aconteça é porque se ignora o que o analista teima em atentar, que são os deslizes, os erros e substituições conhecidos em psicanálise como atos falhos, os esquecimentos, quer dizer, o que permite que as pessoas se relacionem e dialoguem é porque se ignora algo que não se deixa não dizer, que teima em aparecer na fala e que vai crescer no divã, que é o inconsciente. Para isso, ao analista não cabe interpor simplesmente as falas dos sujeitos com réplicas e tréplicas, mas ouvi-las em suas nuances, repetindo o que se mostra importante, parafraseando o que parece latente, deixando aparecer o que se teima em dizer, mas que insiste que não foi dito.
Mas isso ainda não responde a questão fundamental, de afinal, porque é importante que as pessoas sejam ouvidas nessa dimensão que parece bastante misteriosa pra quem nunca se aventurou a uma experiência analítica. Pois bem, é nessa linguagem que não se diz com clareza, nesse algo renitente que reside o adoecimento psíquico, de modo que, aquilo que o sujeito não é capaz de nomear como dito por ele mesmo converte-se no sintoma, que é a única frase que ele é capaz de ouvir. Ser ouvido em sua dimensão inconsciente, portanto, traduz o que o sintoma enquanto mensagem cifrada do inconsciente pretende dizer, contudo, não se faz isso na mesa de bar ou na roda de amigos – é somente nesse lugar desnecessário que o analista ocupa é que a frase inconsciente pode se manifestar, se desenrolar, aparecer, re-aparecer, enfim, a importância do espaço analítico e da escuta que ali se produz se faz no momento em que capacita o sujeito da verdade sobre ele mesmo.
A produção dessa verdade, contudo, não é tarefa fácil. Freud bem sabia disso quando prenunciou a Jung chegando a América, “Dr. Jung, nós trouxemos a peste” – trouxemos algo difícil de ser admitido, que vez ou outra é bastante amargo, que é a verdade inconsciente, de modo que, por ser verdade não pode ser atenuado, muito menos ser ouvido a não ser pelo sujeito que a detém. Mais uma razão para que o analista não tenha as respostas prontas numa maleta, como um varal onde se escolhe vestir diferentes peças e se é assim, só se pode ouvir em silêncio.
“O que será que me dá, que me bole por dentro será que me dá?” já disse Chico Buarque, e emendou “o que não tem governo nem nunca terá, o que não tem juízo”. Enquanto houver essa coisa sem medida, sem juízo, bulindo por dentro, esse desejo gritante de uma coisa sem nome, uma análise será importante e servirá a quem deseja ser ouvido realmente, sob a ressonância de suas próprias palavras ecoando em um deserto.

A quem tiver desejo, ouça o que tem a dizer.
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1 comentários:

  1. Magnífico Christopher! Particularmente, tenho me questionado muito sobre a relação entre o tempo de duração de um processo terapêutico e o perfil do cliente/paciente... Aí me parece que estou de acordo com Rogers quando estabelece algumas condições para a investida na psicoterapia. Não é um processo fácil, e os motivos que levam alguém para divãs ou poltronas (incluindo, principalmente, as expectativas já direcionadas à figura do terapeuta antes mesmo de conhece-lo), são determinantes em todo o processo.

    Um abração! Nara Almeida.

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