Uma pergunta que
escuto com freqüência é, afinal, qual a utilidade de alguém ir a um psicólogo
ou a um analista, tomando por base a modalidade clássica de escuta em que o
sujeito deita-se no divã e tem geralmente as suas costas, alguém que o escuta
religiosamente, com poucas ou nenhumas intervenções. Apesar da revolução no
modelo profundamente clássico de escuta provocada por Lacan, utilizando da
lingüística e da reinvenção do tempo da sessão no volume da escuta do desejo,
permanece uma inquietação que faz questionar do que se trata esse “ouvir o
desejo do outro”.
Em uma
entrevista rara de Freud publicada em 1989 em português, ele diz que “O
psicanalista é como o bode expiatório dos hebreus. Os outros descarregam seus
pecados sobre ele. Ele deve praticar sua arte à perfeição para desvencilhar-se
do fardo jogado sobre ele.” Ora, não cabe portanto ao analista ocupar um lugar
que seja de dar opiniões ou dar diretrizes, ou ainda as tão esperadas
respostas, mas escutar pacientemente e servir de objeto da fantasia de outrem,
da inevitável projeção do desejo inconsciente de ser ouvido por aqueles em que
o paciente vez ou outra coloca o analista no lugar, nutrindo sentimentos hora
de vida hora de morte sobre ele. Mas isso é apenas parte da angustiante relação
que se firma entre o paciente e o analista, fundamentalmente no início de uma
análise – o fato de que, esse alguém, o ouve, dizendo muito pouco ou quase
nada.
É comum em uma
conversa que as pessoas dêem sempre uma réplica do que se está dizendo. O que
permite que um diálogo aconteça é
porque se ignora o que o analista teima em atentar, que são os deslizes, os
erros e substituições conhecidos em psicanálise como atos falhos, os esquecimentos, quer dizer, o que permite que as
pessoas se relacionem e dialoguem é porque se ignora algo que não se deixa não
dizer, que teima em aparecer na fala e que vai crescer no divã, que é o
inconsciente. Para isso, ao analista não cabe interpor simplesmente as falas
dos sujeitos com réplicas e tréplicas, mas ouvi-las em suas nuances, repetindo
o que se mostra importante, parafraseando o que parece latente, deixando aparecer
o que se teima em dizer, mas que insiste que não foi dito.
Mas isso ainda
não responde a questão fundamental, de afinal, porque é importante que as
pessoas sejam ouvidas nessa dimensão que parece bastante misteriosa pra quem
nunca se aventurou a uma experiência analítica. Pois bem, é nessa linguagem que
não se diz com clareza, nesse algo renitente que reside o adoecimento psíquico,
de modo que, aquilo que o sujeito não é capaz de nomear como dito por ele mesmo
converte-se no sintoma, que é a única frase
que ele é capaz de ouvir. Ser ouvido em sua dimensão inconsciente, portanto,
traduz o que o sintoma enquanto mensagem
cifrada do inconsciente pretende dizer, contudo, não se faz isso na mesa de
bar ou na roda de amigos – é somente nesse lugar desnecessário que o analista ocupa é que a frase inconsciente pode
se manifestar, se desenrolar, aparecer, re-aparecer, enfim, a importância do
espaço analítico e da escuta que ali se produz se faz no momento em que
capacita o sujeito da verdade sobre ele mesmo.
A produção dessa
verdade, contudo, não é tarefa fácil. Freud bem sabia disso quando prenunciou a
Jung chegando a América, “Dr. Jung, nós trouxemos a peste” – trouxemos algo
difícil de ser admitido, que vez ou outra é bastante amargo, que é a verdade
inconsciente, de modo que, por ser verdade não pode ser atenuado, muito menos
ser ouvido a não ser pelo sujeito que a detém. Mais uma razão para que o
analista não tenha as respostas prontas numa maleta, como um varal onde se
escolhe vestir diferentes peças e se é assim, só se pode ouvir em silêncio.
“O que será que
me dá, que me bole por dentro será que me dá?” já disse Chico Buarque, e
emendou “o que não tem governo nem nunca terá, o que não tem juízo”. Enquanto
houver essa coisa sem medida, sem juízo, bulindo
por dentro, esse desejo gritante de uma coisa sem nome, uma análise será
importante e servirá a quem deseja ser ouvido realmente, sob a ressonância de
suas próprias palavras ecoando em um deserto.
A quem tiver
desejo, ouça o que tem a dizer.
Magnífico Christopher! Particularmente, tenho me questionado muito sobre a relação entre o tempo de duração de um processo terapêutico e o perfil do cliente/paciente... Aí me parece que estou de acordo com Rogers quando estabelece algumas condições para a investida na psicoterapia. Não é um processo fácil, e os motivos que levam alguém para divãs ou poltronas (incluindo, principalmente, as expectativas já direcionadas à figura do terapeuta antes mesmo de conhece-lo), são determinantes em todo o processo.
ResponderExcluirUm abração! Nara Almeida.
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