Na semana passada, dia 14, o ministro da justiça José
Eduardo Cardozo deu uma declaração que provocou uma série de burburinhos na
mídia, quando disse que preferia morrer a ter que ficar preso em um presídio
brasileiro. A declaração do ministro bate com vara em uma imensa caixa de
abelhas que ninguém quer mexer, ou melhor, prefere não mexer fingindo que isso
não existe, que são as condições em que se encontram os presídios brasileiros.
Quem já foi a um presídio tem noção de como é, mesmo nos menores: celas
lotadas, o odor fétido, violências que em sua maioria são cometidas por outros
presos – de ordem física, psíquica e sexual – além da pressão do sistema e de
toda a sociedade pra lhe cuspir na cara. As falhas do nosso sistema prisional
são gritantes e mais gritante ainda é o descaso geral com essas condições.
O que dizer por exemplo, dos criminosos sexuais nas cadeias?
Existe ali mesmo um código de ética marginal que exige que ele seja punido.
Quando colocado nas celas pelos carcereiros já lhes dão a marca, “esse cara
come criancinha, mulheres, indefesos – destruam-no em sua dignidade” e assim o
fazem. Ironia do nosso funcionamento eu diria, já que costumeiramente nos
calamos frente as crianças que diariamente são vendidas pelo turismo sexual ou
ainda aquelas que trabalham nas minas de carvão, crianças indígenas
assassinadas por fazendeiros nas brigas que se estendem nos latifúndios afora
do país, mulheres da classe média que sofrem abusos e assédios constantes em
locais de trabalho ou mesmo violência doméstica e por vergonha e em prol da
manutenção do status quo jamais se
exporiam... E o que fazemos desses detratores? Nada! Porque em uma certa medida
eles servem a moral e os bons costumes. Nos emocionamos sim, como pequenos burgueses
que somos, quando na televisão se exibe esses casos, mas raramente inflamamos
nossos discursos como contra aquilo assassino frio e cruel de Eloá ou ainda quando a menininha da classe média
foi lançada brutalmente da janela.
Também sinto pena por esses casos, mas eles são apenas o reflexo de nossa
hipocrisia e culpa coletiva, que geralmente elege alguns crimes que são
barbarizados pela mídia, somente para lavar nossos egos nos tanques da
decência.
Isso tem a ver com a história do “mendigo bonito de Curitiba”:
Rafael era andarilho, drogado, tido como indigente, mas teve a sorte de atender
a um padrão de beleza europeu e se deparar com uma câmera. Rapidamente seu caso
se espalhou pelas redes sociais, logo atingiu a TV, demonstrando o “absurdo”
daquele ex-modelo, de olhos azuis, lindo
de se ver, jogado nas ruas como um zé
ninguém. Sim, devemos ajudá-lo! Ao custo de todos os outros mendigos que
passam todos os dias por nós - em sua maioria, pretos, pobres e psicóticos, que,
sabe-se lá porque, não merecem a câmera ou as redes sociais.
Nem os mendigos nem os presos. Nossa moralidade e culpa
coletiva não nos permite atravessar o front
da idealização social e conhecer, ainda que seja pela internet, a realidade de
presídios ou se sensibilizar com os sofrimentos de presos, homens e mulheres a
mercê da lei sem lei. Sim, porque são
esses os nossos objetos de ódio de cada dia, ao ponto de, quando surgem os
direitos humanos, ah! É uma lamúria! Ninguém entende porque pessoas se dão ao
trabalho de defender esse bando de
animais, parafraseando Guattari, três milhões de perversos [eternamente] no
banco dos réus, e na base do discurso de “olha lá, depois que prende quer pagar
de santo”, somos cúmplices de atrocidades, desumanidades e sequestros da
dignidade humana bem debaixo do nosso nariz, a custo de sustentar a nossa moral
– e os bons costumes.
É como a questão dos perversos. Ninguém sabe o que fazer
deles a não ser, vez ou outra, exercer nosso direito de morte e poder sobre a vida, que é aquilo que nos
autoriza dizer o que devemos fazer – matá-los, prendê-los, sufocá-los, enfim, o
que faremos deles? Não se trata também de adotar um discurso da libertinagem em
prol de uma delinquência coletiva, mas de pelo menos, olhar para essa realidade
com a mesma decência que olhamos para o mendigo bonito, todos esses pretos, pobres, psicóticos, putas, perversos
– presos e pensar em que momento fomos autorizados a ser deles os
detratores de qualquer fio de dignidade que lhes passe.
Contudo, para desautorizar
essa violência coletiva e nos vacinar
contra o jogo midiático que a impulsiona, em prol de uma reforma que seja
realmente digna e humanizadora em
nosso sistema prisional é preciso, antes de mais nada, desautorizar a nossa
moral e nossos bons costumes que louva o crime contra o criminoso.
Sem mais Christopher Rodrigues Guarani Kaiowá! Não há nada mais prazeroso pra uma sociedade cheia de si (seja isso uma defesa ou não), que gozar o que o outro tem de sujo e indigesto. Enaltece-se com isso. Acontece que essa sociedade senta em cima do próprio rabo. E a inocência, imaturidade ou ignorância (seja lá o nome que se de pra essa nossa condição tão natural), leva mesmo ao estranhamento e ao não reconhecimento de toda essa "sujeira", como se nossa casa fosse limpa. Como se se tratasse de coisas totalmente diferentes. Não! Porque aqui o "bonzinho" e o "malvado" são só faces de uma mesma moeda.
ResponderExcluirNara.
Ótima reflexão sobre a situação atual dos presídios, um discussão muito pertinente!
ResponderExcluirAbraços.
Sim, hoje há um grande problema relacionado aos presídios Brasileiros, porém o que me chama atenção em seu artigo é quando se refere àqueles que vivem a margem da ``sociedade´´, ou seja, os pretos, pobres, mendigos, prostitutas, psicóticos e outros mais, principalmente aqueles portadores de algum problema de origem psicologica, trabalho na área da saúde, vejo de perto todos os dias como os mesmos são descriminados por suas famílias e ainda pior, por membros dos sistemas de saúde, responsáveis por prestar alguma assistencia aos mesmos.
ResponderExcluirUm Abraço.
Muito interessante reflexão sobre a transvaloração dos valores. O que Nietszche já falava né. Nossa sociedade é escrava de uma moral heterônoma (do outro) e desresponsabilizante, TUDO vai para a lei que não é cumprida através do jeitinho brasileiro. A culpa coletiva é por recalcar a justiça, o dever. Para que isso ocorra (gostei de sua colocação) é como se tivessem que subverter a moral, portanto ser moral é desmoralizar a sociedade. Poucos conseguem heim!
ResponderExcluirAdorei esse texto. Gostaria de dicas de leituras para me aprofundar nesse tema. Parece que a sociedade vive sob uma moral romanesca. A midia elege alguns fatos que, suponho eu, ajudam a preservar esse distanciamento da realidade nua e crua. Culpar o outro, o bandido ou o assassino, de certa forma, individualiza a responsabilidade do caso, fazendo com que ele seja visto como distante de nós. Tal como assistir um filme de terror e violência, afinal, só acontece com o personagem do filme "x" com o assassino "y". Olhamos o micro, mas esquecemos ou negamos o macro. Somos a platéia e os figurantes de uma peça trágica.
ResponderExcluirOlá Priscila Torres,
ResponderExcluirObrigado por visitar nosso blog!
Pra saber mais sobre esse assunto recomendo a obra "Microfísica do poder" de Michel Foucault, pra começar... Se precisar escreva no e-mail: christopherrodrigues.a@gmail.com
Abraços!