domingo, julho 12, 2009



A Casa do Zezinho, ONG que atende crianças e adolescentes na zona sul de São Paulo, se deparou a algum tempo com a situação de uma adolescente que estava se prostituindo, agenciada por colega mais velho da escola onde estudava. A educadora, criadora da ONG, percebe que o meio de se aproximar da estudante é buscar entender de sua vida e participar desse jogo. Para tanto, ela a convida a se tornar prostituta em Brasília, mas para isso ela deveria falar ao menos mais um idioma, saber etiqueta, entender de história, artes e atualidades, como forma de atrair e impressionar mais clientes. Para valorizar mais ainda a "mercadoria" ela não poderia mais continuar fazendo programas com os homens da favela, não estragando mais o seu corpo, seria mais requisitada pelos futuros clientes da capital federal.

À partir dessa história real pretendo traçar um paralelo com as implicações, traçadas por Rogers, do humanismo para a educação. Dentro de uma perspectiva humanista, a empatia ocupa um lugar importante no estabelecimento do vínculo terapeuta-cliente, e também não poderia deixar de ser assim na dupla professor-aluno. E na história da garota da zona sul de São Paulo, foi fundamental que a educadora entrasse em contato com o mundo da estudante e do que faria sentido para ela, com isso ela pode estabelecer uma proposta pautada no que realmente dizia respeito ao modo de vida dela. A educadora encarou a problemática partindo da perspectiva da adolescente: ela achava que a prostituição era o único modo de ganhar dinheiro.

Ao propor o desafio à aluna, lança-se a ela uma nova oportunidade, ter clientes que paguem mais, e uma dificuldade percebida para alcançar seu objetivo, ter de se auto-valorizar. Com esse dilema, a estudante passa a ver o estudo como algo que faça sentido á sua vida, sendo assim, ele passa a ser apropriado à sua vida. A noção de auto-apropriação para o processo de aprendizagem é outra premissa rogeriana, onde a aprendizagem significativa é entendida como aquela que é auto-apropriada ao aluno, que é capaz de gerar uma mudança na atitude futura.

Para Rogers, a aprendizagem deve ser guiada pelo aluno, o ensino é centrado no aluno, e não para o aluno. Sendo que o professor não mais deve ocupar um papel de controle autoritário. É o aluno que vai, de acordo com o que julga interessante para si, guiar a aquisição de conhecimento. O ensino deve estar pautado nas implicações relativas às situações de vida, o aluno deve estar orientado quanto às exigências que deve cumprir para chegar a determinados fins. Ex.: conhecer de mecânica para pode se tornar Engenheiro Eletrônico, ou no nosso caso, ter noções de etiqueta, história e artes para se tornar mais interessante aos clientes. Nessa perspectiva, o professor atua como um facilitador para proporcionar os meios que o aluno poderá usar para aprender como tornar-se capaz de enfrentar seus desafios.

À partir desse ambiente de construção do conhecimento e aceitação da pessoa que se é, por parte do professor. O aluno passa a ter, e a assumir o papel ativo na sua própria aprendizagem. Ele consegue perceber melhor seus próprios sentimentos. E no caso da adolescente, a busca do conhecimento encorajada pela possibilidade de ganhar mais recursos financeiros, fez com que ela entrasse em contato com diversas áreas do saber. Assim pôde melhor compreender a si mesma e passou a observar o tipo de vida que levavam as pessoas de sua comunidade envolvidas com prostituição e tráfico de drogas. Como pessoa responsável por sua aprendizagem e motivadora de si mesma, decidiu fazer um curso pré-vestibular e se formou em Odontologia na USP.

Essa história foi resumida para que eu pudesse discorrer mais sobre os possíveis paralelos da intervenção utilizada pela Casa do Zezinho e as implicações da teoria humanista para a educação. Mas a história em detalhes foi encontrada aqui. Vale a pena ser lida.

4 comentários:

  1. Primeiramente meus parabéns a você, Lú, muito bom o texto. Eu nunca estudei sobre Rogers, quero aproveitar e seguir suas postagens pra aprender. Eu gostaria, no entanto, de fazer algumas perguntas a você. Vamos lá?

    1 - " É o aluno que vai, de acordo com o que julga interessante para si, guiar a aquisição de conhecimento"

    - Nas escolas existe uma grade curricular a ser cumprida e, nem sempre o aluno acha mais interessante estudar química orgânica do que conversar com os colegas, dentro da sala; ou, quando em casa, assistir tv ou brincar. Como é que se faz para que o aluno ache então interessante estudar todas as matérias? Por exemplo, em sua fala:

    "O ensino deve estar pautado nas implicações relativas às situações de vida, o aluno deve estar orientado quanto às exigências que deve cumprir para chegar a determinados fins."

    Isso é o bastante para que o aluno se interesse? Enfim, muitos alunos sabem que pra passar no vestibular precisam estudar, mas nem assim. Basta orientá-lo da importância? Como tornar algo interessante para o aluno?

    2 - Partindo desta perspectiva, quando o aluno possui alguma dificuldade especial de aprendizagem, como autismo ou dislexia,ou mesmo não consegue simplesmente compreender a leitura, devemos dizer que é pq ele não se interessa?

    Parabéns pela postagem, estas são só algumas dúvidas de alguém que gosta de ler sobre educação, mas não sabe nada de Rogers :)

    ResponderExcluir
  2. Olá Neto, primeiramente agradeço os elogios, mas vamos às suas perguntas, que é o mais interessante.

    - No modelo de educação defendido por Rogers, a própria grade curricular não assumiria uma forma tão estáticas, a responsabilidade pelo ensino não seria incubência apenas dos professores, mas de também de pais, alunos e outros membros do colégio. A questão é que o professor passaria a ser um facilitador no processo ensino-aprendizagem, orientando seus alunos para as possíveis consequências de suas escolhas e, mais que isso, deve existir um ambiente de confiança e consideração positiva em relação ao aluno. E nesse contexto vai ser a curiosidade do aluno que praticamente norteará o conteúdo, sendo que, como é algo buscado pelo próprio aluno a tendência é que este se dedique mais às matérias. Ou seja, a aprendizagem não vai ser algo imposto por autoridades, mas como escolhas. Seria como dizer em Análise do Comportamento que a resposta de estudar possui reforçadores naturais. Acho que é essa a grande sacada de Rogers, criando um ambiente de consideração positiva, empatia e aceitação, o estudante pode perceber sua importância e relevância dentro da sala de aula, e ainda, nesse modelo as punições estabelecidas pelas notas seriam abolidas, o que favoreceria ainda mais a sensação de responsabildade pelo processo, elevação da auto-estima e porterior motivação para o estudo. O aluno não mais teria de se sentir incapaz ou menos inteligente em relação a outros.
    À primeira vista parece utópico, mas em uma vasta pesquisa feita por Aspy e Roebuck (1974) sobre o Método Humanista de Ensino, os resultados foram bastante favoráveis, demonstrando a eficácia para a aquisição e fixação do conhecimento.

    - Quanto as crianças com dificuldades de aprendizagem, não vou poder explorar muito, já que não li nada de Rogers sobre esses casos em específico. O que posso falar é que estagio em escola inclusiva e acompanho uma aluna com Síndrome de Down. O que deve ser considerado é a capacidade do estudante, e mesmo com dificuldades, há a motivação para a aquisição do conhecimento. Ex.: essa aluna que eu acompanho adora fazer ditado, ás vezes está na hora de uma aula mais lúdica e ela fica pede pelo ditado. Mas infelizmente, a escola não é humanista, então a grade é priorizada.
    Em casos de tais dificuldades também, as atividades devem ser adapatadas para algo que chame atenção deste aluno, como uma professora que encheu sua sala de aula de colheres de pau para conseguir fazer com que um aluno autista se interessasse pelas atividades de sala.

    Enfim, é um método bem diferente do tradicional e como tudo que é novo causa uma certa estranheza. Além de em muitos casos ser encarado como uma ameaça aos profesores. O ideal seria que surgissem mais pesquisas sobre o tema.

    Bom, obrigada por suas considerações e espero ter esclarecido um pouco de suas dúvidas.

    ResponderExcluir
  3. Oi Lú, obrigado por responder. :)

    ResponderExcluir
  4. Sanou sim minhas dúvidas. Eu vou estar sempre por aqui acompanhando.
    Abraços.

    ResponderExcluir

 
Toggle Footer