quarta-feira, março 30, 2011


De uns tempos pra cá, há uma preocupação recorrente nas discussões em psicologia sobre os problemas da agressividade no mundo. O aumento de crimes violentos, mortes banais e tantos outros atentados contra a vida que assistimos diariamente pela televisão, pelos jornais; todos os lugares sempre nos remetem a esse problema crescente na sociedade atual. Há duas semanas, a revista Época trouxe como matéria de capa o “Amor e ódio aos gays” e vários relatos de agressões e em casos extremos, os assassinatos a homossexuais no Brasil; o país avança em direitos e liberdade e começa a “tirar do armário” também os agressores: Aqueles tantos que odeiam homossexuais, negros, nordestinos, psicóticos e com suas atitudes insistem em marcar os nossos tempos com a violência.


Refletir sobre o tema possibilitou algumas questões que começam a despontar a problemática da agressividade e da violência. No cotidiano, vemos a constante formação de grupos entre as pessoas; por diversas afinidades eles se reúnem, criam suas ideologias, suas concepções, instituem suas visões de mundo e preconceitos perante o outro.


Sabemos que principalmente na adolescência, a formação de grupos é marcante, pra não dizer essencial na formação dos sujeitos: Seus gostos, roupas, estilos musicais entre tantas outras preferências vão se formando nos grupos, emergindo uma “personalidade grupal” que delimita o universo particular daquele grupo. Contudo, assistimos às vezes esses grupos se digladiarem; brigas entre gangues, torcidas, grupos radicais contra gays e outras minorias sociais que parecem afirmar sua identidade social através da violência que disseminam. Até nas relações mais particulares: Os reality shows mostram a formação de clãs entre seus participantes e seus planos aquecidos por uma audiência fiel e um prêmio milionário, destampando um caráter outrora impensável no mundo de fora.


Aqui por enquanto, as pessoas vão se eliminando em nome da moral, de seus preconceitos e de suas crenças. E se elas se defendem tanto, afinal, o que há tão assustador no “inimigo”?


O pensamento existencialista do século XX traz uma proposta interessante: A autenticidade do ser. Ser autentico, segundo os existencialistas, significa admitir o que nós já somos em essência; é através da reflexão, do conhecimento de si que o homem é capaz de buscar dentro dele a resposta para sua angústia, para sua ambigüidade. Sartre nos alerta que, “estamos condenados a ser livres”, pois é essa liberdade que nos alerta e ao mesmo tempo nos limita dentro das condições que nos cercam, que vão desde a cidade que nascemos até as pessoas que nos cercam. Talvez a agressividade seja uma tentativa de eliminar essa ambigüidade entre o ser-livre e o ser-limitado, pois essa antítese é uma ameaça recorrente a personalidade, principalmente se o outro estiver cheio daquilo que eu não sou, mas que posso vir-a-ser, exatamente no momento em que aceitar a minha condição perante o mundo.


A primeira vista, pode parecer uma postura desencantada do mundo, mas não é essa a proposta fundamental do existencialismo; ao contrário, quanto mais as pessoas entrarem em contato com suas ambigüidades e angústias mais intimas, mais prontas estarão para aceitar e conviver em harmonia com o outro. Se soubermos quem somos autenticamente, diluem-se as ameaças e começa a se revelar um sentido íntimo para a existência. O ser autêntico é capaz de ultrapassar as barreiras da moral e alcançar uma postura ética perante o mundo; faz compreender o sofrimento do outro, produz empatia e acolhe ao invés de rejeitar, humilhar ou agredir.


Desenvolver-se como pessoa e crescer intimamente não são tarefas fáceis, ainda mais quando se vive uma sociedade de consumo pouco voltada para a reflexão e o autoconhecimento. Ainda que o problema da violência e agressividade emergente lhe seja o calcanhar de Aquiles, não consegue valorizar as atitudes do espírito: Religiosidade, a arte, música e até mesmo as terapias perdem espaço para o trabalho e para o consumo. Criou-se “homens-robô”, incapazes de se perceber e prontos para agredir qualquer coisa que os remeta a sua condição mais humana.


Apesar dessa crise de sentido eminente, é preciso ser esperançoso e acreditar no ser humano e no seu potencial criativo, sua capacidade de extrapolar seus próprios limites. Carl R. Rogers, um influente psicólogo norte-americano, acreditava que as pessoas adoeciam por que estavam em conflito com seus verdadeiros desejos de realização, como uma tendência inerente a cada sujeito, que produz sofrimento quando não realizada.


A sociedade adoeceu e encontra-se cada vez mais distante do seu projeto, de seu plano existencial e sua capacidade de auto-realização; algumas mudanças podem nos levar a novas posturas, como sugere Rogers em sua psicoterapia. Ser mais empático com os problemas dos outros, nos colocando na posição de quem está sofrendo; aceitarmos mais as pessoas em seus erros e acertos, discrepâncias e não tentarmos modificá-las em nome de nossas crenças, e desenvolver a autenticidade como uma postura conosco e com o mundo, parece delinear e revelar novos sentidos para o mundo. Acreditar nessa postura e praticá-la não pode gerar uma reação tal qual a violência tem gerado, fazendo dessas atitudes uma prática recorrente?


Para isso é preciso começar um exame interior. Por que algumas coisas conseguem “me tirar do sério” ao ponto de agredir? Será mesmo que se agride por que simplesmente incomoda, porque ofende a moral ou porque ameaça um pedaço de nós que não ousamos revelar? Aceitar-se na totalidade é o primeiro passo para aceitar o outro e propagar essa postura humanista que o mundo contemporâneo carece; é o início da recuperação do sentido esvaziado, perdido.


"Ser empático é ver o mundo com os olhos do outro e não ver o nosso mundo refletido nos olhos dele."


- Carl R. Rogers

2 comentários:

  1. Eh verdade Chris!
    Ainda acredito que o exame interior, é a única ferramenta capaz de fazer o ser humano pensar no outro, como se fosse ele mesmo.
    O meu único medo, é que nesse exame o homem descubra o quanto realmente ele vale...

    ResponderExcluir
  2. Passando para apreciar esse espaço e divulgar eu blog, também com assuntos voltados para psicologia:

    http://blogcognicao.blogspot.com/

    Abraços!

    ResponderExcluir

 
Toggle Footer