segunda-feira, novembro 19, 2012


Na semana passada, dia 14, o ministro da justiça José Eduardo Cardozo deu uma declaração que provocou uma série de burburinhos na mídia, quando disse que preferia morrer a ter que ficar preso em um presídio brasileiro. A declaração do ministro bate com vara em uma imensa caixa de abelhas que ninguém quer mexer, ou melhor, prefere não mexer fingindo que isso não existe, que são as condições em que se encontram os presídios brasileiros. Quem já foi a um presídio tem noção de como é, mesmo nos menores: celas lotadas, o odor fétido, violências que em sua maioria são cometidas por outros presos – de ordem física, psíquica e sexual – além da pressão do sistema e de toda a sociedade pra lhe cuspir na cara. As falhas do nosso sistema prisional são gritantes e mais gritante ainda é o descaso geral com essas condições.
O que dizer por exemplo, dos criminosos sexuais nas cadeias? Existe ali mesmo um código de ética marginal que exige que ele seja punido. Quando colocado nas celas pelos carcereiros já lhes dão a marca, “esse cara come criancinha, mulheres, indefesos – destruam-no em sua dignidade” e assim o fazem. Ironia do nosso funcionamento eu diria, já que costumeiramente nos calamos frente as crianças que diariamente são vendidas pelo turismo sexual ou ainda aquelas que trabalham nas minas de carvão, crianças indígenas assassinadas por fazendeiros nas brigas que se estendem nos latifúndios afora do país, mulheres da classe média que sofrem abusos e assédios constantes em locais de trabalho ou mesmo violência doméstica e por vergonha e em prol da manutenção do status quo jamais se exporiam... E o que fazemos desses detratores? Nada! Porque em uma certa medida eles servem a moral e os bons costumes. Nos emocionamos sim, como pequenos burgueses que somos, quando na televisão se exibe esses casos, mas raramente inflamamos nossos discursos como contra aquilo assassino frio e cruel de Eloá ou ainda quando a menininha da classe média foi lançada brutalmente da janela. Também sinto pena por esses casos, mas eles são apenas o reflexo de nossa hipocrisia e culpa coletiva, que geralmente elege alguns crimes que são barbarizados pela mídia, somente para lavar nossos egos nos tanques da decência.
Isso tem a ver com a história do “mendigo bonito de Curitiba”: Rafael era andarilho, drogado, tido como indigente, mas teve a sorte de atender a um padrão de beleza europeu e se deparar com uma câmera. Rapidamente seu caso se espalhou pelas redes sociais, logo atingiu a TV, demonstrando o “absurdo” daquele ex-modelo, de olhos azuis, lindo de se ver, jogado nas ruas como um zé ninguém. Sim, devemos ajudá-lo! Ao custo de todos os outros mendigos que passam todos os dias por nós - em sua maioria, pretos, pobres e psicóticos, que, sabe-se lá porque, não merecem a câmera ou as redes sociais.
Nem os mendigos nem os presos. Nossa moralidade e culpa coletiva não nos permite atravessar o front da idealização social e conhecer, ainda que seja pela internet, a realidade de presídios ou se sensibilizar com os sofrimentos de presos, homens e mulheres a mercê da lei sem lei. Sim, porque são esses os nossos objetos de ódio de cada dia, ao ponto de, quando surgem os direitos humanos, ah! É uma lamúria! Ninguém entende porque pessoas se dão ao trabalho de defender esse bando de animais, parafraseando Guattari, três milhões de perversos [eternamente] no banco dos réus, e na base do discurso de “olha lá, depois que prende quer pagar de santo”, somos cúmplices de atrocidades, desumanidades e sequestros da dignidade humana bem debaixo do nosso nariz, a custo de sustentar a nossa moral – e os bons costumes.
É como a questão dos perversos. Ninguém sabe o que fazer deles a não ser, vez ou outra, exercer nosso direito de morte e poder sobre a vida, que é aquilo que nos autoriza dizer o que devemos fazer – matá-los, prendê-los, sufocá-los, enfim, o que faremos deles? Não se trata também de adotar um discurso da libertinagem em prol de uma delinquência coletiva, mas de pelo menos, olhar para essa realidade com a mesma decência que olhamos para o mendigo bonito, todos esses pretos, pobres, psicóticos, putas, perversos – presos e pensar em que momento fomos autorizados a ser deles os detratores de qualquer fio de dignidade que lhes passe. 
Contudo, para desautorizar essa violência coletiva e nos vacinar contra o jogo midiático que a impulsiona, em prol de uma reforma que seja realmente digna e humanizadora em nosso sistema prisional é preciso, antes de mais nada, desautorizar a nossa moral e nossos bons costumes que louva o crime contra o criminoso.

6 comentários:

  1. Sem mais Christopher Rodrigues Guarani Kaiowá! Não há nada mais prazeroso pra uma sociedade cheia de si (seja isso uma defesa ou não), que gozar o que o outro tem de sujo e indigesto. Enaltece-se com isso. Acontece que essa sociedade senta em cima do próprio rabo. E a inocência, imaturidade ou ignorância (seja lá o nome que se de pra essa nossa condição tão natural), leva mesmo ao estranhamento e ao não reconhecimento de toda essa "sujeira", como se nossa casa fosse limpa. Como se se tratasse de coisas totalmente diferentes. Não! Porque aqui o "bonzinho" e o "malvado" são só faces de uma mesma moeda.

    Nara.

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  2. Ótima reflexão sobre a situação atual dos presídios, um discussão muito pertinente!

    Abraços.

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  3. Sim, hoje há um grande problema relacionado aos presídios Brasileiros, porém o que me chama atenção em seu artigo é quando se refere àqueles que vivem a margem da ``sociedade´´, ou seja, os pretos, pobres, mendigos, prostitutas, psicóticos e outros mais, principalmente aqueles portadores de algum problema de origem psicologica, trabalho na área da saúde, vejo de perto todos os dias como os mesmos são descriminados por suas famílias e ainda pior, por membros dos sistemas de saúde, responsáveis por prestar alguma assistencia aos mesmos.
    Um Abraço.

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  4. Muito interessante reflexão sobre a transvaloração dos valores. O que Nietszche já falava né. Nossa sociedade é escrava de uma moral heterônoma (do outro) e desresponsabilizante, TUDO vai para a lei que não é cumprida através do jeitinho brasileiro. A culpa coletiva é por recalcar a justiça, o dever. Para que isso ocorra (gostei de sua colocação) é como se tivessem que subverter a moral, portanto ser moral é desmoralizar a sociedade. Poucos conseguem heim!

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  5. Adorei esse texto. Gostaria de dicas de leituras para me aprofundar nesse tema. Parece que a sociedade vive sob uma moral romanesca. A midia elege alguns fatos que, suponho eu, ajudam a preservar esse distanciamento da realidade nua e crua. Culpar o outro, o bandido ou o assassino, de certa forma, individualiza a responsabilidade do caso, fazendo com que ele seja visto como distante de nós. Tal como assistir um filme de terror e violência, afinal, só acontece com o personagem do filme "x" com o assassino "y". Olhamos o micro, mas esquecemos ou negamos o macro. Somos a platéia e os figurantes de uma peça trágica.

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  6. Olá Priscila Torres,

    Obrigado por visitar nosso blog!

    Pra saber mais sobre esse assunto recomendo a obra "Microfísica do poder" de Michel Foucault, pra começar... Se precisar escreva no e-mail: christopherrodrigues.a@gmail.com

    Abraços!

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