domingo, agosto 02, 2009

O pensamento fenomenológico, fundado por Edmund Husserl – um ex-matemático alemão que se torna filósofo ao obter seu doutorado intitulado psicologia da aritmética em 1901 - fundamenta sua vertente filosófica que tem por uma de suas características a crítica a ciência moderna e ao que Husserl chama de matematização do mundo, ou ainda o desencantamento do mundo-da-vida.

Essas críticas são fundamentadas nos textos A crise das ciências Européias e a Fenomenologia transcedental de 1936, além de uma compilação posterior intitulada A crise da humanidade européia e a filosofia, que se trata de um artigo de Husserl para uma revista japonesa e uma conferência proferida por Husserl em Viena que abordam a mesma temática.

Nesse texto, quero centrar-me numa questão fundamental da fenomenologia Husserliana que refere-se a matematização do mundo pelas ciências, mas antes, gostaria apenas de explicar brevemente o conceito de fenomenologia. Etimologicamente, fenomenologia advém dos radicais gregos phenômenon e logos, que significam respectivamente “tudo aquilo que se mostra” e “estudo de, conhecimento sobre”, o que culmina na concepção de fenomenologia como um “estudo de tudo quanto se mostra”, um estudo dos fenômenos tais quais os são. E é exatamente a partir dessa concepção que iremos tratar de um conceito de Husserl muito importante que é o mundo-da-vida, ou em alemão, Lebenswelt.

Para Husserl, o mundo ocidental moderno foi matematizado pelas ciências Européias, o que significava que a realidade vivida, a realidade presenciada não era a real e sim a realidade ditada pelas ciências como a física e a química que detinham a realidade e a verdade dos sujeitos e dos objetos presentes no mundo. A nossa realidade percebida, nas ciências modernas passa a ser nada mais que uma “projeção mental” da verdadeira realidade, em função do dualismo cartesiano que pressupunha a existência de uma mente e um corpo como entidades distintas. A partir disso, apenas o estudo profundo dos fenômenos, traduzindo-os em “números” como é feito na física é que podia deter a realidade sobre o fenômeno.

Com isso, o pensamento fenomenológico afirma que as ciências desencantaram o mundo vivido, que é onde os fenômenos emergem e vivemos nossas experiências com os objetos; para Husserl, o mundo desencantado das ciências tenta (sem sucesso) expurgar da realidade a subjetividade, que na verdade é aquilo que dá sentido aos fenômenos percebidos pelos sujeitos.

Para solucionar esse problema, elaborando uma crítica sobre o pensamento ocidental, Husserl primeiro chega ao conceito de intencionalidade, que se trata de uma concepção que basicamente concebe a “mente” como sendo um elemento da realidade, ou seja, as coisas que estão “na mente” na verdade são elementos da realidade tal qual a mesma o é; Husserl não separa a mente da realidade como os cartesianos, mas compreende que apenas podemos perceber a realidade por que temos a intencionalidade, a mente inserida na realidade e comungando dos elementos dela.

Com isso, Husserl propõe que o mundo-da-vida, ou seja, o mundo das experiências que experienciamos no dia-a-dia é tão real quanto as descobertas das ciências matemáticas, exatas, e que só podemos alcançar a dimensão subjetiva da existência se nos voltarmos para o mundo-da-vida, pois é nele que as experiências acontecem. Segundo autores como Berto e Sokolowsky, Husserl acredita que quando percebemos uma mesa, por exemplo, primeiro ela é um fenômeno, por que se mostra a nós e é real, mesmo concebida como tal; não precisamos quebrar a mesa, colocá-la no microscópio, estudar sua composição, mas basta que o sujeito a perceba e faça dela “a mesa de jantar com a família” que ela torna-se real; uma realidade que é absorvida na intencionalidade, o que significa o modo com que nos relacionamos com o objeto, e o vivenciamos.

Em fenomenologia destaca-se a importância que o sujeito atribui aos fenômenos, o que destitui das ciências a posse de uma verdade última, uma vez que o sentido atribuído aquilo que se vive é que designa o fenômeno; do mesmo jeito que um sujeito utiliza a tal mesa para jantar com a família, outro pode utilizá-la para sentar; a mesa não deixou de ser mesa, mas o sentido atribuído e o modo com que diferentes sujeitos lidaram com o mesmo fenômeno mudou. O fenômeno não se altera, mas a percepção do mesmo sim, pois ela é múltipla.

Essa breve explanação desponta apenas o rumo que a fenomenologia toma para lidar com os fenômenos, sejam eles simples ou complexos; vemos nessa concepção uma possibilidade de lidar de modo mais humanístico com diversos fenômenos; para ilustrar, podemos falar dos fenômenos considerados psicopatológicos, por exemplo; atualmente, busca-se muito mais padrões de comportamento patológicos que se enquadrem nas descobertas no campo da psiquiatria e outros que se dedicam ao estudo das ditas doenças mentais. Contudo, compreender a “estrutura” fisioquímica das psicopatologias não dá conta do sofrimento vivido, tanto pelo doente quanto pelos familiares; na abordagem fenomenológica, através da empatia, conceito Husserliano amplamente estudado por Edith Stein, é que se pode “colocar-se” no lugar do outro a fim de compreender e dar conta de “acolher” o sofrimento que está sendo vivenciado. Pode haver padrões fisiológicos para as patologias, mas não para o modo com que os sujeitos se relacionam com elas.

Por isso o mundo-da-vida é fundamental para compreender o pensamento fenomenológico. Propondo o re-encantamento do mundo pela fenomenologia, Berto afirma que:

“A fenomenologia é a tentativa de resgate do contato original com o mundo perdido em sofisticadas especulações abstratas e/ou em reduções matemáticas e quantificadoras da vivência do ser humano, enquanto ser cognoscente.”

Com isso, vê-se que a proposta fenomenológica baseia-se acima de tudo numa recuperação da intersubjetividade (relação dos sujeitos com o mundo-da-vida) que está no nosso mundo percebido, mundo este que é “abandonado” na proposta científica do conhecimento. Por consequência, Husserl nos lembra que o “conhecimento” (cogito) científico propõe dar conta de toda a realidade percebida através de uma verdade última, contudo, não é capaz de pensar, ou ainda subjetivar a si mesmo.

Para saber mais:

SOKOLOWSKY, Robert. Introdução a fenomenologia. São Paulo: Edições Loyola, 2004.

BERTO, Ângela Barros Fonseca. A matematização da natureza e o desenraizamento do homem. Perspectivas online, Campo dos Goytacazes, v.1, n.3 p.18-26. 2007.

3 comentários:

  1. Muito bom ,este estudo, clarificando o pensamento de E. Husserl.

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  2. muito bom,ficou bem esclarecedor o conceito de fenomenologia....

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